Carta de Ruy Freire Filho para a Folha de São Paulo

Carta que o Ruy Freire Filho mandou para a Folha de São Paulo, em resposta à vergonhosa entrevista do presidente da Monsanto no Brasil publicada na segunda-feira, 25/05/2015.

“A entrevista com Rodrigo Santos, presidente da Monsanto no Brasil, tangenciou pontos nevrálgicos da questão dos transgênicos, fundamentais para o leitor do jornal entender a polêmica em torno de alimentos geneticamente modificados e do risco que representam para a segurança alimentar.

1-Os cultivares transgênicos são altamente dependentes de insumos (fertilizantes, defensivos) para alcançarem a prometida produtividade, aumentando a dependência do agricultor de crédito subsidiado e do país da importação de fertilizantes químicos e princípios ativos de defensivos. No caso da soja transgênica a produção sequer é maior, ela simplesmente poupa uma operação extra de pulverização de herbicida, já que a dosagem do mesmo pode ser dobrada.

2-A tecnologia desenvolvida pela Monsanto visa criar um pacote tecnológico envolvendo produtos da empresa- a soja transgênica resiste a uma dosagem maior do herbicida Roundup, produzido pela empresa . Alias produto classificado como carcinogênico o que inclusive fez com que o presidente colombiano Juan Manuel Santos interrompesse as pulverizações de plantações de coca em função do impacto sobre a saúde das populações locais.

3-A questão dos royalties. Estudo da EMBRAPA mostra que o custo das sementes transgênicas fez com o plantio da soja tradicional desse maiores retornos econômicos aos produtores brasileiros do que o da soja transgênica da empresa em questão. O pagamento de royalties e a alta dependência de insumos dos produtos transgênicos tem levado á um suicídio em massa na India de agricultores endividados.

4-O item mais importante se refere ao impacto sobre a saúde humana e sobre o meio ambiente. Inúmeros estudos mostram que a modificação genética afetou negativamente a saúde de animais e que provavelmente não são seguros para consumo humano. O produto transgênico afeta o meio por dois mecanismos: o da poluição genética ao introduzir um gene estranho no meio com consequências imprevisíveis e pela aumento do uso dos defensivos contaminadores do solo e do lençol freático.

5-O produto transgênico pode através da polinização contaminar as variedades não transgênicas em plantas, diminuindo a variação genética indispensável para segurança alimentar. A fome na Irlanda no século XIX é um exemplo do risco que representa o cultivo de de um só cultivar para sustentar uma população.

6-A hegemonia das sementes transgênicas, criadas por mecanismos de acesso ao crédito rural, põe em risco a preservação de variedade genética. Peru e mais recentemente a Bolivia, países berços de uma das maiores fontes de variação genética de alimentos estratégicos para a humanidade proibiram o plantio de transgênicos em seu território. A medida não é só para proteger as variedades nativas, como a de um futuro próximo produzir comercialmente sementes para abastecer mercados fora do país. As sementes tradicionais tem sido notórias em produzir em condições desfavoráveis com baixo aporte de insumos.

7-A estratégia da transgenia tem sido desastrosa como fica evidenciado o desenvolvimento da resistência das lagartas ao milho transgênico com a toxina da bactéria Bacillus thurigisiensis, com a consequente perda da safra e processos judiciais, no Brasil, que infelizmente não tem tido a mesma divulgação pela imprensa.

8-A Monsanto não tem investimentos só na área de agricultura. Recentemente se tornou a principal acionista da Blackwater a mais importante empresa mundial no aluguel de mercenários.

9-A Monsanto tem desenvolvido produtos como a dioxina, sacarina, PCB, poliestireno, DDT, agente laranja, glifosato e aspartame por exemplo, com comprovado impacto sobre a saúde humana e do que põe em dúvida suas credenciais como geradora de tecnologias seguras.

Dr. Ruy Alfredo de Bastos Freire Filho

Associação dos Agricultores Organicos”

Autor: Anderson Porto

Desenvolvedor do projeto Tudo Sobre Plantas

4 comentários em “Carta de Ruy Freire Filho para a Folha de São Paulo”

  1. Gostaria de tecer alguns comentários sobre as afirmações do Dr. Ruy. Seguirei os mesmos itens que ele propôs e sua carta.

    1. Se é verdade que as variedades transgênicas de milho, soja ou algodão necessitem de insumos e um manejo específico para alcançar a produtividade desejada, também é verdade que isso ocorre para TODA E QUALQUER variedade moderna de alta produtividade, seja transgênica ou convencional. E, tirando o herbicida (se for o caso de um transgênico tolerante a ele), todo o resto dos requerimentos é igual entre variedade transgênicas e não transgênicas. A polarização desta necessidade nos transgênicos é falsa. Quanto à produção ser maior ou os lucros serem maiores, é sé perguntar a qualquer agricultor sério do RS, de SC ou dos principais estados produtores.

    2. A tecnologia roudp-ready implica no uso do glifosato,. Ocorre que este herbicida já é de domínio público e se a gente for ver quem vende mais dele, não é a Monsato! Na verdade, ela está em sexto lugar na venda de agrotóxicos… Além disso, há uma grande variedade de outros transgênicos que NADA TEM A VER com o glifosato e, mais ainda, que evitam o uso de pesticidas, como é o caso das varieades resistentes a insetos. A MONSANTO produz, aliás, vários deles. Por fim, a tecnologia dos transgênicos é aberta, ela não é da Monsanto. A EMBRAPA já produz variedade transgênicas e logo estaremos comendo feijão transgênico resistente a vírus, da nossa EMBRAPA. As generalizações do Dr.Ruy não ajudam em nada à compreensão do problema.

    3. A história dos suicídios na Índia é uma mentira repetida à exaustão pelos ativistas anti-biotecnologia e já foi amplamente desmentida. Basta ler o que está na conceituadíssima revista Nature. O Dr. Ruy precisa se atualizar e despir-se de preconceito, seguindo como uma ovelha seus like-minded. Os royalties, além disso, não ultrapassam 5% do valor total das despesas do agricultor. Quanto nosso doutor acha que paga de royalties o preço de um iPhone e de um monte de outras coisas que compra e consome todo dia?

    4. Efeito na saúde: desafio o Dr. Ruy a mostrar um apenas um, artigo sério que mostre o impacto negativo dos transgênicos na saúde humana. Os poucos, e péssimos, artigos que pretendem mostrar impactos em animais de laboratório resvalam seriamente na metodologia científica.

    5. Contaminação por polinização: nem a soja, nem o milho, nem o algodão herbáceo são plantas nativas do Brasil e apenas o algodão poderia, teoricamente, cruzar com uma espécie silvestre brasileira, o Gossypium mustelinum. Mas isso nunca aconteceu nem vai gerar, jamais, um espalhamento dos transgenes pela caatinga por razões várias que não adianta discutir aqui, mas que estão detalhadamente descritas no parecer final da CTNBio para o primeiro algodão GM liberado pela Comissão. Para milho há regras claras de coexistência para evitar um problema COMERCIAL, que nada tem a ver com a biodiversidade de nossa flora. A soja, por fim, é essencialmente autógama…

    6. A “hegemonia” das sementes transgênicas é a mesma dos celulares em relação aos orelhões: vantagem para o consumidor (neste caso, o agricultor). Só isso. O dia que deixarem de ser úteis, serão imediatamente substituídas por outras, não há absolutamente nada que escravize o agricultor a esta tecnologia.

    7. Toda tecnologia que combate uma prega acaba por encontrar na Natureza um mecanismo que a neutralize. A transgenia para resistência a insetos tem sido imensamente bem sucedida, apesar dos poucos casos de resistência (Dr, Ruy, favor não coinfundir resistência com novas pragas, como foi o caso da Helicoverpa armigera). Se o agricultor fizer o manejo integrado de pragas e usar refúgios, ela terá longa vida. Já a vida útil dos transgênicos tolerantes a herbicidas pode ser mais curta, mas também depende de um bom manejo integrado de tecnologias e pragas, como TUDO NA AGRICULTURA!!!.

    8 e 9. O que a Monsanto faz o deixa de fazer em outras áreas não é assunto para minha réplica, meu assunto é biotecnologia agrícola.

    Concluo dizendo que o Dr. Ruy se equivocou de cabo a rabo.

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  2. Prezado Paulo fico feliz com tua resposta porque ela de fato abre o debate que poderia ter sido suscitado pela entrevista da Folha., e que foi o motivo de minha carta ao jornal. Abri os comentários falando em segurança alimentar. E foi neste contexto que questionaria a estratégia de produção de um país que ainda importa 50 % de seu fertilizante fosfatado, 60% do nitrogenado e 95% do potássico., além de outros insumos imprescindíveis para a manutenção dos chamados cultivares modernos de alta produtividade. Vou tentar responder pelos itens que vc propôs:

    1-A questão não foi apresentado como uma polarização entre as variedades transgenicas e convencionais X tradicionais. Mas foi uma boa lembrança. As variedades não convencionais de grãos “modernos” de alta produtividade se baseiam em cultivares híbridos que de fato requerem o mesmo aporte de insumos das linhagens transgênicas. Como você sabe os cultivares híbridos se baseiam no cruzamento de linhagens endogamicas, que perdem seu vigor híbrido e sua produtividade ao se retro cruzarem, forçando o produtor a ter que constantemente adquirir estas sementes das companhias.
    A transgenia se baseia no mesmo principio, de ter a cadeia de commodities ou de alimentos atrelada a poucos produtores de sementes. Aí não está apenas contida a questão da concentração de renda em oligopólios. Como geneticista você sabe que isto leva a redução da variação genética, com todos os riscos em que isto implica.
    Como modelo alternativo podemos citar a escola escandinava que baseia seu melhoramento genético na herança aditiva, com a participação e envolvimento de todos os produtores. Em outras palavras considerando a baixa lucratividade e alto risco da atividade agrícola me parece mais justo a adoção desta estratégia onde o fruto do melhoramento se espalha por toda a cadeia produtiva e não apenas nos produtores de sementes.
    Isto se considerando “nosso” modelo de monocultura.

    2-Quando a tecnologia round-up ready foi desenvolvida a patente ainda era de domínio da Monsanto, e de fato (felizmente) as patentes caducam após terem ressarcido aqueles que pesquisaram e investiram. Mas a tecnologia round-up Ready é emblemática no tange a formação de um pacote onde um produto produzido pela empresa e amarrado a outro. Um caso de concentração de renda que merece ponderação por parte da sociedade. Agora temos um produto que esta para entrar no mercado que resiste ao agente laranja. É verdade que o milho Enlist da Dow resiste ao agente laranja também da Dow. A estratégia com se vê, se repete. Em minha carta não discuti outras empresas (como no caso a EMBRAPA). A entrevista era com o presidente da Monsanto.
    Quanto ao “problema” ele é controle de pragas da lavoura, o que implica, mesmo em termos de monocultura convencional em uma serie de técnicas como manejo integrado, controle biológico, rotação de culturas, refúgios que não exigiriam a presença de um gene de resistência implantado de outra espécie dentro da planta. Sabemos que a maior parte dos cultivares tradicionais apresenta resistência à doenças. Se foram descartados por baixa produtividade, o caminho do melhoramento tradicional parece o mais indicado.

    3-Boa lembrança o artigo da Nature .
    http://www.nature.com/news/case-studies-a-hard-look-at-gm-crops-1.12907
    Traz um argumento que eu não tinha levado para discussão. O artigo confirma aparecimento de super-pragas pelo uso excessivo dos defensivos aplicados aos transgênicos. De fato a revista afirma que é falsa a afirmação de que os suicídios aumentaram com a introdução dos transgênicos, embora reconheça que os suicídios de agricultores ficaram na média de 20.000 ao ano. Mas a leitura do texto mostra o mesmo pesquisador (Glover) afirmando : “it is nonsense to atribute farmers suicide solely to BT cotton.” E o mesmo Glover acrescenta “ Blanket conclusion that the technology is success or failure lack the right level of nuance”…”It is an evolving story in India , and we have not yet reached a definitive conclusion”. Mas se o autor da pesquisa ainda não havia chegado a uma conclusão, o governo do estado Maharashtra parece ter sido mais incisivo e proibiu a comercialização das sementes de algodão transgênico da Monsanto na região.
    http://timesofindia.indiatimes.com/india/Maharashtra-bans-Bt-cotton-seeds/articleshow/15420778.cms
    Uma leitura mais atenta do que escrevi demonstra que não atribuí somente aos royalties , mas justamente á dependência de empréstimos bancários para financiar os pacotes tecnológicos que o uso dos transgênicos requer.
    Não tenho pessoalmente nada contra o pagamento de royalties. Acho que remunerar o oficio do inventor , reconhecer a propriedade intelectual , além de justo, o incentiva a inventar mais. Sou contra o conceito de royalties como um componente de custeio na agricultura, por ser esta uma área de alto risco. Genética em agricultura deve ser investimento, como quando o fazendeiro compra um touro para melhorar a produção de leite de seu rebanho. O investimento se amortiza ao longo do tempo. Pagar royalties a cada safra é impor este custo ao risco das inúmeras mazelas que afligem o agricultor a cada ano é um ônus injusto. Aqui gostaria de lembrar o pensador Bertrand Russel:
    “O agricultor que conhece todos os recantos de sua fazenda, tem conhecimentos concretos sobre o trigo, e ganha muito pouco; a estrada de ferro que leva seu trigo tem no assunto uma visão um pouco mais abstrata e ganha mais dinheiro;
    o corretor da bolsa que conhece apenas o aspecto abstrato das subidas e descidas das cotações , …, e entretanto, dos que estão nessa esfera econômica , é o que ganha mais dinheiro e excerce maior poder.“

    Bertrand Russel
    “A Perspectiva cientifica“(-cap.-Limitações do método cientifico-)

    O feijão carioca que dobrou a produção da leguminosa em nosso país se deve a “descoberta” por um fazendeiro que levou a planta ao IAC. A integração entre a produtores e a comunidade acadêmica é um modelo que vem funcionando muito bem área de melhoramento no país. Além do IAC, EMBRAPA, EPAGRI, EPAMIG, entre tantas outras, desenvolveram cultivares que sustentam nossas lavouras.

    4-O link abaixo elenca uma série de artigos relacionados ao tema. E debate de forma mais elaborada as restrições que você levanta.
    http://www.collective-evolution.com/2014/07/15/new-study-links-gmos-to-cancer-liverkidney-damage-severe-hormonal-disruption/

    Por outro lado a questão da qualidade de artigos peer-reviewed em revistas indexadas entra no caminho da subjetividade. Mas mesmo cientistas ganhadores do premio Nobel como Randy Scheckman questionam o critério daquilo que se convencionou chamar de revistas sérias, como Nature, Cell entre outras .
    http://www.economist.com/news/science-and-technology/21591549-and-nature-and-cell-nobel-prize-winner-attacks-elite-journals-whats-wrong

    A companhia também não tem se descuidado em provocar o descrédito cientifico dos que questionam a segurança de seus produtos . No artigo abaixo se pode ver um dos métodos , no caso da cientista russa que encontrou o desenvolvimento de câncer em ratos alimentados com soja transgênica.

    http://www.i-sis.org.uk/Science_and_Scientist_Abused.php
    ou ainda a montagem de um departamento incumbido de corrigir a “má ciência”
    http://naturalsociety.com/monsanto-employee-admits-an-entire-department-exists-to-discredit-scientists/
    Esta pesquisa feita na Italia acompanhando 53 ovelhas e sua progênie durante três anos encontrou um equilíbrio que talvez atenda tua exigência de rigor metodológico. Como vemos estudando vários parâmetros os autores apontaram em seu estudo somente as variáveis onde encontram alterações (distúrbios metabólicos).
    http://www.gmoevidence.com/perugia-university-digestive-system-disturbance-in-sheep-from-gm-maize/
    Evidentemente existe o efeito confounding,. A soja Round –up Ready por tolerar mais glifosato pode provocar enfermidades não pela mudança genética, mais por conter mais do principio ativo deletério. De qualquer forma diante de pelo menos estas evidencias se aplicaria plenamente o principio da precaução.

    5-Eu mencionei variedades não transgênicas das plantas e não espécies silvestres, nem falei da caatinga, onde por sinal temos o sub-explorado algodão seridó . E tenho a impressão que existem cultivares pré-colombianos de milho no Brasil. De fato a companhia tem uma preocupação comercial com a contaminação como no caso do fazendeiro americano Percy Schmeiser processado pela Monsanto por “roubo” de sua propriedade intelectual, ao ter seus campos de canola contaminados pelo canola transgênica da empresa. Ver link abaixo.
    http://articles.mercola.com/sites/articles/archive/2011/12/25/percy-schmeiser-farmer-who-beat-monsanto.aspx
    Citei os casos de Peru e Bolivia por serem nossos vizinhos e detentores de um germoplasma preciosíssimo para a humanidade, como reconheceu o geneticista russo Vavilev no inicio do século passado, que não querem os transgênicos justamente para prevenir a contaminação d estes cultivares. A importância da preservação destas linhagens regionais é reconhecida até pela própria Monsanto, que tentou patentear o arroz basmati indiano.
    A luta contra a erosão genética é uma estratégia de melhoramento defendida por inúmeros geneticistas. E levou a Noruega a construir um gigantesco banco de sementes no Artico. No Brasil há décadas temos o CENARGEN.

    6-a hegemonia de uma tecnologia se dá por vários mecanismos como acesso ao crédito, legislação, contratos comerciais com distribuidoras, disponibilidade de sementes e insumos , disponibilidade de extensionistas etc. Nem sempre o mais adequado está disponível aos produtores.
    7-Concordo integralmente com a frase inicial de sua resposta. No seu discurso para receber o Premio Nobel, Flemming adverte que o uso indiscriminado da penicilina levaria ao aparecimento de bactérias resistentes ao antibiótico. Já no inicio da década de 90 a Office of Technological Assessment americana avaliava que haveriam riscos do desenvolvimento de resistência à toxina da B. thuringisiensis , uma vez que protegida pelas plantas teria uma persistência maior no meio o que permitiria às lagartas desenvolverem resistência. O risco de sub-dosagens em plantas é alto, como você sabe, por terem estas seus componentes químicos determinados por uma quantidade de variáveis de difícil controle, como tipo e fertilidade do solo, incidência de pluviosidade, de foto período etc. e como você reconhece, a monocultura é o ambiente por excelência do aparecimento de pragas sejam velhas ou novas, o que requer uma série de tecnologias acessórias.
    O que me preocupa é que este tipo de estratégia de controle de pragas é que me parece semelhante aos programas de antí-virus de computadores. “Aparece” um vírus surge um novo programa a ser comprado. Da mesma forma a obsolescência de cultivares transgênicos permitiria e a entrada de novos. Para as companhias o ideal é que isto ocorresse a cada doze anos quando as patentes perdem a validade, o que permitiria estarem sempre com o controle do mercado.

    8-Finalizando Dr. Paulo acredito que este debate poderia ter sido suscitado pelo jornalista da Folha que entrevistou o presidente da empresa. E ele poderia ter respondido com os teus argumentos ou outros ainda. E eu adoraria estar equivocado de cabo a rabo. Não torço pelo pior. Apenas temos visões diferentes do papel que o país e o próprio continente poderiam ter na agricultura mundial. A impressionante contribuição que a agricultura ameríndia deu a alimentação do mundo nos qualificaria a sermos mais uma vez protagonistas nesta área. Infelizmente me parece que o modelo pelo qual optamos nos transforma em mero arrendadores de nosso solo, para que tecnologias baseadas em produtos importados nos façam apenas exportadores de commodities.

    De qualquer forma acredito que nós dois estamos dando alguma contribuição no aprimoramento dos caminhos da agricultura brasileira.

    Ruy Freire Filho

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  3. Anderson, agradeço a oportunidade de um debate educado.

    Prezado Ruy.

    Posso ter lido de forma errada sua primeira carta, mas na minha leitura sua crítica estava inteiramente concentrada nos transgênicos. Ainda bem que agora vejo que uma boa parte das críticas é, na verdade, contra a agricultura altamente tecnificada que se emprega no Brasil.
    Assim, comento abaixo sua réplica:
    a) Somos grandes exportadores de grãos. Se isso é bom ou mau, não sei, mas o país foi levado a isso por uma série de circunstâncias históricas, que envolvem o descaso com a educação, a concentração de terras e muitas outras coisas. Se quisermos competir no mercado internacional, tempos que seguir o que há de mais moderno na produção de grãos ou nossos preços não serão competitivos. Outro modelo de agricultura pode fornecer suficiente grão para o consumo interno, mas duvido muitíssimo que possamos competir e exportar.
    b) A compra de sementes a cada safra, no lugar do plantio de grãos, pode parecer ruim para o agricultor, mas não é assim: a cada ano novas variedades são lançadas, cada vez mais produtivas e adaptadas a cada nicho de terra de nosso país. Plantar grãos de uma safra na próxima não incorpora estes ganhos. Além disso, doenças e pragas podem facilmente ser propagadas quando se usa grãos como sementes e isso todo agricultor que planta muitos hectares de terra sabe muito bem. Daí a vantagem de comprar sementes. Mais uma vez, o cenário aqui é o de alta produtividade e o “lucro” com sementes melhoradas, mesmo que adquiridas de uma empresa multinacional, se espalha por toda a cadeia produtiva e para os consumidores. Isso é bem visível nos gráficos da Céleres. Por outro lado, o melhoramento é feito tanto pelas empresas privadas como pela EMBRAPA, e todas elas bebem da fonte do agricultor: há, sim, um diálogo contínuo entre o produtor e o melhorista, ao menos no Brasil. Não creio que um modelo comunitário, como citado, poderia funcionar num país como o nosso, com uma pressão comercial imensa. Além disso, a Escandinávia não é exatamente um exemplo de região exportadora de grãos.
    c) A “venda casada” é um problema sério, mas o glifosato não é um caso típico: várias empresas produzem plantas tolerantes ao glifosato e muitas empresas produzem o glifosato, de forma que o conceito de “venda casada” não se aplica. O mesmo é válido para o 2,4-D, que é produzido por muita gente e para o qual muitas plantas GM de diferentes empresas estão sendo avaliadas pela CTNBio (sugiro uma leitura da última pauta da Comissão, que está sempre disponível no site da CTNBio).
    d) A questão do suicídio devido aos transgênicos pode ser descartada, seguramente. Se o algodão GM é proibido em determinadas áreas da Índia, é muito mais uma questão política (e que envolve a percepção de risco) do que uma questão científica (e que envolve a avaliação de risco). Quanto às superpragas, elas se devem ao mau manejo de pragas e não á tecnologia em si. Além disso, elas não são, na verdade, “super” em nada: a revista apenas adotou a linguagem usada na mídia popular.
    e) Os empréstimos bancários, seguros de compra e coisas assim fazem parte da agricultura moderna, como também da indústria inovadora. Isso é tão antigo como a agricultura brasileira e pode ser facilmente aquilatado lendo o bom “Fogo Morto”, do José Lins do Rego, no tempo que a agroindústria do açúcar estava em plena expansão no Nordeste. É quase impossível entrar no setor da agricultura moderna sem empréstimos, sobretudo se a escala for grande, mas isso nada tem a ver com a transgenia: aplica-se igualmente ao milho, à soja, ao cacau, ao café e por aí vai. E lembro: os royalties raramente ultrapassam 5% do custo da produção: combustível, água, adubos, pesticidas vários e mão de obra importam em custos muito, mas muito maiores mesmo. No fundo, o uso de sementes de alta qualidade é como a compra de sêmen de bons touros para melhorar a genética do rebanho. Não é necessário manter o touro e o benefício da boa genética chaga do mesmo jeito.
    f) A divisão dos lucros na agricultura é péssima, concordo com você. Mas é ainda pior entre os pequenos agricultores que, sem saber se organizar em cooperativas, entregam por quaisquer 10 réis seus produtos ao dono do caminhão. Ao menos os grandes produtores são tremendamente bem articulados no comércio global.
    g) Um trabalho publicado numa boa revista não significa imediatamente que ele é um bom trabalho: revisores erram e algumas vezes as revistas têm interesse em publicar um artigo polêmico, mesmo que de baixa qualidade ou mesmo um embuste. Todos os anos centenas de artigos são retirados de circulação pelas revistas por várias causas (plágio é uma delas), e isso sempre ocorre porque a comunidade científica denuncia a fraude ou o erro. Foi o que aconteceu com o artigo de Séralini dos ratos com tumor. Sabiamente, a PlosONE suspendeu a publicação de uma nova fantasia do Séralini no último dia 18 (maio/2015) e o homem perdeu seu tempo com o já tradicional circo de press release: só os jornais sensacionalistas da mídia irresponsável na França compraram o embuste.
    Afinal, o que é então um trabalho sério (ou mais especificamente, quando um resultado se converte em fato)? Aquele que vai sendo confirmado por outros autores e que está baseado no método científico. Fora disso tudo mais é ilusão.
    g) As pesquisas que você cita com as ovelhas concluem (é muito claro o artigo) que essencialmente nada de mal acontece com as ovelhas e suas crias. Umas poucas alterações histológicas foram vistas, mas não foi possível estabelecer qualquer relação de causalidade, nem os autores fizeram isso. O artigo é erroneamente usado como “evidência” de dano pelos ativistas. Além disso, nada do que os autores viram em termos de alterações é confirmado pelas centenas de milhares de criadores de ovinos pelo Mundo, que alimentam seus bichos com ração transgênica, nem pelos muitos trabalhos que já foram feitos com diferentes variedades de milho GM em alimentação animal. As causas das pequenas alterações observadas podem ser várias, na verdade. Por fim, não se pode estender os resultados obtidos com a variedade Bt que eles usaram para todos os demais milhos GM!!.
    As outras evidências, repetidas pelo GM Watch e outros sites do gênero, são muito ruins metodologicamente ou simplesmente um embuste, como a que liga autismo e OGMs, produzido pela Dra. Seneff.
    h) Não existe esta história de efeito “confundidor”: se a ração é formulada com milho ou soja Bt, que não pede herbicida algum, ainda assim vai ter resíduo de uma porção de pesticidas do mesmo jeito, mas sempre bem abaixo do limite aceito por qualquer autoridade no Mundo. As que são tolerantes a algum herbicida seguem pela mesma lógica. Como a dose é que faz o veneno (já nos ensinava o Paracelso, muitos séculos atrás), se estiver abaixo da dose limite não há porque esperar nenhum efeito confundidor, mesmo que haja uma porção de diferentes resíduos. Além disso, há sempre controles internos nos experimentos que dão conta de qualquer alteração inesperada nos grupos controle. Esta história de efeito confundidor é uma conversa “confundidora”vendida pelos ativistas e que nada tem de científica. Aliás, é justamente nesta linha torta de raciocínio que segue o artigo do Séralini embargado pela PlosONE em cima da hora e comentado acima.
    i) a “contaminação” de variedades crioulas de milho é assunto muito discutido. É a única que pode ocorrer no Brasil hoje. Mas os produtores de milho crioulo sabem muitíssimo bem manter a identidade de suas variedades, quando querem. Muitos deles também fazem trocas nas feiras de sementes orgânicas e embaralham tudo de novo, com imenso risco para as variedades existentes em cada região. Isso tudo foi cuidadosamente avaliado num livro sobre coexistência do milho GM e não GM que publicamos pelo MCTI vários anos atrás.
    A “contaminação” comercial em milho é uma fantasia, sobretudo no replantio de grãos: todo agricultor sabe o que o vizinho está plantando e se insiste em usar grãos colhidos a menos de 25 m da cerca do vizinho para o próximo plantio, ou é louco ou mal intencionado. Por outro lado, se alguém planta milho orgânico, tem que seguir as regras dos orgânicos, que exigem uma separação muuuuuito maior entre cultivos orgânicos e convencionais (sejam transgênicos ou não) do que pede a regra de coexistência da CTNBio. Há outras fontes de “contaminação”, como maquinário, caminhão, etc., mas isso foge ao nosso foco.
    j) Germoplasma: o Brasil e vários outros países mantêm bancos de germoplasmas que são os responsáveis pelos programas de melhoramento genético das plantas de interesse comercial. No caso do milho o centro de origem é na América Central e o Brasil e demais países fora desta área são, quando muito, centros de diversidade secundária. Além disso, não vejo como as plantas transgênicas poderiam causar mais danos ao milho original do que as variedades comerciais não transgênicas. O transgene em si só será fixado na população nativa se contribuir de forma muito importante para a seleção de grãos par ao novo plantio. Isso é um assunto complexo e que extrapola um pouco o espaço deste comentário. A riqueza de germoplasmas de outras plantas independe do milho, claro.
    No contexto do milho, não pode haver erosão genética como entendemos para espécies que se propagam sem a mão do homem. Pode haver perda transiente de diversidade, mas para isso existem os bancos de germoplasma, que são ordens de grandeza mais ricos do que o depósito de sementes dos noruegueses.
    h) Manejo integrado de pragas e tecnologias: desde que o Homem ingressou na agricultura que o MIPT vem sendo exercido, com maior ou menor sucesso, dependendo da base técnica, da pressão econômica e do clima. As pragas sempre driblam, com o tempo, qualquer técnica de controle exceto a destruição completa por fogo ou por máquina. A tecnologia Bt pode ser superada pelas pragas, mas seu tempo de duração vai depender, como para qualquer outra tecnologia, da adoção de boas práticas agrícolas (que reduz o problema dos heterozigotos e também da subdosagem). É tão simples como isso e não há solução mágica.

    Por fim, fico feliz em discutir estas questões de uma forma civilizada, argumentado ponto a ponto com você. Oxalá todos os interlocutores tivessem esta forma educada e ponderada de expor seus pontos de vista. Concordo que nosso país poderia ter seguido outro caminho no seu desenvolvimento, mas fomos empurrados para este beco por séculos de incúria quando o assunto era educação, que continua muito ruim. Nosso povo carece de instrução para trabalhar em indústrias de ponta, para se organizar em cooperativas e, de forma geral, para exercer seus direitos. Enquanto isso, tem que gerar renda para fazer o país progredir e ser um pouco menos ingrato aos brasileiros que virão. A biotecnologia tem ajudado nosso país a ter uma balança comercial positiva. Pode ser que em 20 anos a agricultura seja muito diferente do que é hoje e que o país ingresse na área industrial, deixando à agricultura um papel secundário na geração de riquezas. Aí, então, poderemos fazer uma agricultura mais equilibrada e menos produtiva. Mas hoje não vejo como desprezar a biotecnologia.

    Saudações nordestinas.
    Paulo Andrade

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