Conceito do slow food se espalha por RP pregando espaço para alimentos orgânicos e mais tempo para refeições
ANGELITA BEATRIZ
Especial para a Gazeta de Ribeirão
Sentar-se à mesa em ambiente tranqüilo, ter uma alimentação saudável na companhia de pessoas queridas e redescobrir o sabor e o aroma dos alimentos é a filosofia do movimento slow food (cozinha lenta, em inglês). Uma associação internacional sem fins lucrativos criada na Itália em 1986 para contestar o fast food e a produção de alimentos em massa. O movimento surgiu há pouco tempo e já tem mais de 80 mil membros em 120 países. O Brasil conta com apenas 500 associados e em Ribeirão Preto, o movimento vem ganhando adeptos.
Com a polêmica da inauguração de uma loja McDonald’s na Praça de Espanha, em Roma, berço da boa culinária, um grupo de admiradores da gastronomia, liderado pelo jornalista Carlo Petrini fundou Slow food. O objetivo é se opor à padronização do gosto e a manipulação da comida rápida e industrializada. Para o chefe de cozinha João Roberto, do La Pyramide, o alimento é como uma arte que não tem preço. Deve ser visto e consumido devagar para saborear e valorizar o trabalho de quem o fez. “Slow Food é comer pelo prazer do sabor e perceber a arte do preparo”.
O slow food está ligado ao prazer de comer bem com a responsabilidade de defender a herança culinária, as tradições e culturas que tornam possível esse prazer. Permite que as pessoas possam sentir o sabor dos alimentos como uma experiência gratificante, não apenas para saciar a fome. Requer tempo para buscar e preparar alimentos de qualidade com sabor e aroma natural. Um exemplo é o chefe João Roberto que produz, há 30 anos, os temperos e ervas utilizados na sua cozinha.
A base do movimento é preservar o sabor original dos alimentos e a convivência entre pessoas. A psicóloga Paula Mor acredita que essa reunião durante a refeição permite a troca de idéias e experiência entre as pessoas. “Constitui em trocas afetivas que preservam a boa convivência social”. O professor de gastronomia do Senac e integrante do movimento Ulisses Dias diz que o slow food desperta o interesse por comidas e bebidas, além valorizar uma conversa à mesa sem pressa. “Slow food é parar para comer”, diz. A idéia é sentir o que está comendo, resgatar os sabores e entrar no clima.
Reunir amigos em torno da cozinha compartilhando sentimentos e idéias num ambiente agradável merece uma boa refeição preparada com carinho e dedicação. Formada em turismo, Soraia Rollo comanda a cozinha nos encontros. “É maravilhoso poder compartilhar esses momentos com pessoas que a gente gosta e preza”. Soraia vai à procura de alimentos saudáveis e de qualidade. O brócolis sempre verde e de preferência produtos orgânicos. “Prefiro comprar orgânico, mesmo que seja mais caro, mas o sabor compensa”. A futura chefe de cozinha domina o espaço, organiza a mesa e decora os pratos. “É um prazer poder unir amigos e partilhar com eles o prazer de uma boa comida”, completa. “É uma coisa que vai além do imaginado”.
Hoje em dia, parece cada vez mais rara uma refeição entre pessoas do convívio devido aos compromissos. A maior conseqüência disso está nas práticas alimentares inadequadas. A nutricionista do Hospital São Paulo Ana Carolina Pimenta explica que há uma grande procura pelo fast food devido ao estilo de vida atual, onde as pessoas precisam de refeições fáceis e rápidas. “Os fast foods contêm gorduras, açúcares e sais, nutrientes que em excesso podem desencadear problemas nutricionais”.
O slow food celebra a diferença dos sabores, a produção artesanal de alimentos, os pequenos produtores e propostas sustentáveis para pesca e criação de animais. Devolve a cultural da alimentação através da educação do gosto e luta pela defesa da biodiversidade. Visa preservar o meio ambiente, resgatar receitas culinárias e premiar o paladar. O associados Dias, explica que o movimento tem como característica defender a informação para o consumidor, resgatar alimentos esquecidos, valorizar técnicas de cultivo herdados por tradição e receitas caseiras. “O slow food cuida da biodiversidade e preserva os alimentos de cada região”.
O símbolo do movimento é representado pelo caracol. João Roberto diz que slow food é como o caracol, pois tem movimento lento, mas que cresce bem em vários lugares. O movimento prega o respeito à natureza e a preservação do meio em que vivemos. O slow food segue o conceito de eco-gastronômicos, pois associa o prazer e a alimentação com consciência e responsabilidade com o meio ambiente. A prioridade pelo produto orgânico se dá pela qualidade dos alimentos levados a mesa. “A principal razão para o consumo de produtos orgânicos é uma questão de saúde”, opina a nutricionista Ana Carolina Pimenta.
A associação reúne pessoas comuns apaixonadas por gastronomia, grupos de pequenos produtores de alimento, pesquisadores e chefs profissionais. Realiza diversas ações para preservação da biodiversidade e para promover o consumo consciente. É um movimento que celebra o prazer de se alimentar e valoriza os modos tradicionais de se preparar os alimentos. Luta contra o desaparecimento das tradições culinárias regionais e ao desinteresse das pessoas quanto à alimentação.
Arca do Gosto é um catálogo mundial que identifica, localiza e divulga sabores quase esquecidos de produtos ameaçados de extinção. Felizmente ainda vivos, têm potenciais produtivos. O professor Dias esclarece que o objetivo é documentar produtos gastronômicos especiais, que estão em risco de desaparecer. “É redescobrir, catalogar e cuidar para que as pessoas conheçam alimentos nativos quase extintos”. Desde o início da iniciativa em 1996, mais de 750 produtos de dezenas de países foram integrados à Arca.
Ícaro Araújo é formado em Gastronomia em Águas de São Pedro e teve seu primeiro contato com o movimento Slow Food na Itália, onde trabalhou com o sabor dos alimentos. “É precisar acompanhar o alimento desde a produção até o preparo do prato”. O Slow Food, ao contrário do Fast Food, busca saborear o gosto e o paladar dos alimentos. É apreciar de forma lenta ao lado das pessoas que gosta. “Você come primeiro com os olhos, as cores chamam a atenção”. Araújo preparar alimentos diferentes e é ele que cria suas próprias receitas, mas reclama que Ribeirão não tem espaço. “Gostaria de trabalhar aqui, mas não tem área”. Slow Food não é comer muito, mas sim, comer bem. As porções são pequenas e variadas, com a finalidade de apreciar. “É como um ritual”, opina Araújo.
É preciso redescobrir cores e sabores
O catálogo mundial, Arca do Gosto, identificou onze produtos brasileiros ameaçados de extinção. Entre eles estão o arroz vermelho, babaçu, bergamota Montenegrina, farinha de batata doce Krahô, marmelada de Santa Luzia, pirarucu, umbu, palmito Juçara, guaraná nativo Sateré-Mawé, feijão Canapu e Castanha de Baru.
No Brasil também é feito um catalogo, denominado Arco do Sabor, com produtos, pratos, animais, frutas, legumes e verduras que correm riscos de se perderem na memória da população. O especialista em gastronomia Ulisses Dias explica que a Arca do Sabor tem como finalidade cuidar para que as pessoas conheçam os alimentos e sabores regionais. “É preciso documentar e serem lembrados”.
Os principais objetivos das Arcas são salvar os inúmeros grãos, vegetais, frutas, raças de animais e produtos alimentícios que correm perigo de desaparecer devido ao predomínio das refeições rápidas e ao agronegócio industrial.
Preservar o sabor natural e redescobrir alimentos é fundamentar para uma vida saudável. Dias crítica a sociedade que não conhecem o alimento regional e os pais que não ensinam os filhos a comerem bem. “Hoje as crianças só comem frutos de laboratórios, assim a tendência é desaparecer com as variedades”, conclui.
(Gazeta de Ribeirão)
Orgânico: alimento saudável
Slow food está ligado ao conceito de eco-gastronomia, uma vez que reconhece a importância da relação entre o alimento e o meio em que é produzido. O movimento é contra o uso de agrotóxicos e transgênicos, enquanto a agricultura orgânica é vista com bons olhos. Os alimentos cultivados têm de ser, além de saudáveis, saborosos.
O que era difícil de achar nos supermercados está cada dia mais comum. Segundo produtor e comerciante de orgânico Rodrigo Pastova, o consumo de produtos orgânicos vem aumentando, inclusive em Ribeirão Preto. Pastova planta café, banana e mamão no sítio onde também cria vaca e galinha. “São todos produtos 100% orgânicos, a adubagem fica por conta da decomposição de outros vegetais”, afirma.
A nutricionista do Hospital São Paulo, Ana Carolina Pimenta explica que os produtos orgânicos fazem bem para o organismo e para a terra, já que é isento do uso de agrotóxicos e produtos utilizados para o combate de pragas e insetos. “Esses alimentos não causam efeitos de toxicidade ao organismo ao serem consumidos”.
As vantagens do orgânico são múltiplas: a comida fica mais gostosa, a água é protegida, o pequeno agricultor é beneficiado e a biodiversidade é restaurada. O movimento Slow Food acredita que o alimento deve ter bom sabor, ser cultivado de maneira limpa, sem prejudicar a saúde, o meio ambiente ou os animais, além disso, os produtores devem receber o que é justo pelo seu trabalho.
(Gazeta de Ribeirão)
Fonte: [ Gazeta de Ribeirão ]
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