por Sergio Vidal – Antropólogo, autor do livro Cannabis Medicinal Introdução ao Cultivo Indoor
Falta alguma coisa na história da maconha no Brasil e no mundo?
Como cientistas brasileiros no início do séc. XX inventaram os perigos da maconha e importaram a proibição à planta com base em teses de racismo científico e eugenia.
Falta alguma coisa na história da maconha no Brasil? Será que ainda faltam pesquisas sobre a planta e seu uso? Será que faltam mais discussões e pareceres técnicos de instituições sérias e respeitadas sobre o tema? Será que faltam mais informações históricas sobre a proibição e os abusos cometidos em seu nome? Ou o que falta mesmo é atitude política para além de divulgar melhor esses fatos, buscar corrigir e admitir os erros das pessoas que usaram seus cargos públicos de forma indevida décadas atrás?
Origens controversas de uma planta trans-cultural
Durante muito tempo a historiografia brasileira sobre os usos da planta Cannabis sativa era unânime em afirmar que suas origens eram exclusivamente africanas, e que seu cultivo teria sido introduzido com a chegada dos primeiros escravos. De fato, muitos dos africanos trazidos como escravos para o país mantiveram seus costumes de utilização da planta, considerando-a um vegetal especial, uma planta-professora, dotada de características mágicas e propriedades curativas. Antes do descobrimento do Brasil, diversas etnias e nações do continente africano conheciam a planta e utilizavam-na para uma ampla variedade de fins. Os principais usos eram relacionados com o preparo de medicamentos, ou ligados ao seu consumo fumado em rituais religioso ou reuniões sociais mais informais. No entanto, a tese de que os negros seriam os únicos responsáveis pela introdução do cultivo e consumo de maconha no Brasil não se sustenta a uma observação mais cuidadosa.
Os senhores-de-engenho, proprietários dos escravos e toda estrutura produtiva das fazendas de cana-de-açúcar, principal agro-negócio da economia brasileira do séc. XVI até meados do séc. XVIII, toleravam a utilização do fumo de cannabis e tabaco. O sociólogo Gilberto Freyre chega a afirmar que “não parece simples coincidência que se surpreendam tantas manchas escuras de tabaco ou de maconha entre o verde-claro dos canaviais”, sugerindo que teria havido “evidente tolerância – quando não mais do que tolerância – para a cultura dessas plantas voluptuosas” (Freyre; 1985). As denominações usadas no Brasil para a planta liamba¸ diamba, riamba, cangonha, pango, fumo-de-angola, também confirmariam as origens da maconha brasileira, mas por outro lado, revelariam a heterogeneidade que representam essas raízes culturais no continente africano.
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